Segunda-feira, 14, será realizado o lançamento estadual do filme Quebrando o Silêncio, na aldeia Kakané Porã, em Curitiba. Gente, quem está me ajudando muito na organização é a Gleisi Hoffmann, esposa do ministro Paulo Bernardo. Quero agradecer publicamente a esta grande mulher, guerreira, como eu.
Sandra Terena
"Quero contribuir no que for preciso com o trabalho da jornalista Sandra Terena junto aos povos indígenas no Paraná"
Gleisi Hoffmann e em reunião com Sandra Terena e o jornalista Oswaldo Eustáquio
Da Folha de Londrina
08/06/2010
Mortes silenciosas na floresta
A jornalista e documentarista indígena paranaense Sandra Terena lança em Curitiba o documentário 'Quebrando o Silêncio', que expõe o drama do infanticídio entre os indígenas
Filha de índio terena, Sandra é formada em Jornalismo e pós-graduada em Comunicação Audiovisual
A jornalista e documentarista indígena paranaense Sandra Terena quebra o silêncio sobre o infanticídio entre os índios brasileiros. Apoiada por alguns antropólogos e tolerada pela Funai, a prática milenar é tema de documentário premiado, que será lançado dia 14, na Aldeia Kakane Porã, em Curitiba. Três anos de produção, incluindo a fase de pesquisa até a viagem ao Alto Xingu e a finalização do documentário ''Quebrando o Silêncio'', levaram Sandra ao drama de crianças e adolescentes que morrem silenciosamente na floresta.
Um silêncio quebrado com o apoio de voluntários que acreditaram no projeto da documentarista, como a Organização Não-governamental brasiliense Atini - Voz pela Vida, reconhecida internacionalmente pela atuação pioneira na defesa dos direitos e assistência às crianças indígenas em risco de infanticídio, sobreviventes e familiares. Filha de um índio terena, que deixou a aldeia Icatu, na região de Araçatuba (SP), em busca de melhores oportunidades, Sandra é formada em Jornalismo pela Universidade Positivo e pós-graduada em Comunicação Audiovisual na Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR).
O documentário foi reconhecido com as premiações ''Voluntariado Transformador'' (Categoria Mortalidade Infantil), um projeto do Centro de Ação Voluntária de Curitiba (CAV) e o ''Jovem da Paz'' (Categoria Comunicação), um programa de incentivo a jovens que trabalham em favor da paz e desenvolvimento integral da humanidade.
O filme também é uma promessa para festivais de cinema e vídeo. Sandra captou mais de 80 horas de imagens e depoimentos com 12 povos indígenas do Alto Xingu, o que resultou nos 29 minutos do documentário. Em 2009, a documentarista voltou à região para exibir o filme às comunidades. No dia 31 de março, ''Quebrando o Silêncio'' foi exibido no Memorial dos Povos, em Brasília, para uma plateia formada por lideranças, como o representante dos povos indígenas na Organização das Nações Unidas (ONU), Marcos Terena, e o idealizador dos Jogos dos Povos Indígenas, Carlos Terena.
A documentarista afirma que não quer despertar julgamentos sobre a prática milenar, que sacrifica crianças por serem gêmeas, filhas de mães solteiras ou deficientes. Em entrevista à FOLHA, Sandra afirma que deseja promover a discussão sobre o assunto para que os povos indígenas também tenham o direito de se manifestar a respeito da tradição. Como foi a recepção do documentário entre os povos do Xingu, já que muitos defendem a prática como manifestação cultural e tradição?
A recepção foi bastante positiva tanto entre os povos do Xingu, como na exibição em Brasília em que vários representantes das comunidades indígenas estavam presentes. Por que você quis fazer um documentário sobre um assunto que é praticamente intocável até pelos órgãos governamentais? O meu interesse surgiu porque achava que era preciso dizer que a prática ainda acontece. Ao contrário do que até a Funai diz. Comecei a levantar o material, através de uma pesquisa metodológica, conversando com as famílias. Falamos com 12 povos diferentes no Alto Xingu. A pesquisa detectou que pelo menos 20 povos ainda praticam o infanticídio. Como a prática se dá entre os diferentes povos?
Acontece de várias maneiras. Algumas crianças são enterradas vivas, cortadas ao meio, entre outras práticas. Alguns adotam o sacrifício porque acreditam que a criança vai trazer má sorte, como nos casos de gêmeos.
Sacrificam um ou os dois irmãos. Nas comunidades indígenas, as mães solteiras também são vítimas de preconceito. Isso ainda é muito forte, mas também tem a questão financeira. Geralmente são os homens que vão caçar e as mães solteiras, como não têm um provedor, são levadas a sacrificar os filhos por não poderem prover a subsistência da criança. Os deficientes também são sacrificados, levando-se em consideração o nomadismo de alguns povos, uma criança com deficiência dificultaria as constantes mudanças.
Apenas as crianças pequenas são sacrificadas? Não. Muitos adolescentes também são sacrificados. São os rejeitados da comunidade por algum motivo. Em geral, o sacrifício acontece quando a pessoa que cuida, um avó, tio ou outro parente morre e não tem quem assuma a criação.
Alguns antropólogos defendem a prática. O que você pensa sobre os argumentos de que proibir ou tentar acabar com o infanticídio é comprometer a cultura e a tradição desses povos? O documentário não quer denegrir a imagem dos povos indígenas, até porque sou indígena. Você não pode chegar numa cultura e querer mudar. Porém, há alternativas. O filme foi feito para o indígena, pensado por uma indígena e deve ser visto pelas pessoas que vivem nas aldeias, que vão discutir sobre o assunto e decidir se essa prática continua ou não. Também podem discutir se precisam de ajuda do governo. Por exemplo, as mães solteiras não são mais vistas com tanto tabu, mas podem precisar de ajuda para poder criar os filhos. Para alguns índios, a prática é vista como natural, mas, os indígenas têm acesso a internet, às tecnologias e começam a ter a percepção de que a cultura muda. É dinâmica.
Como você avalia o posicionamento da Funai perante o assunto?
A Funai sempre negou a prática oficialmente. Durante a produção do documentário, eu protocolei um pedido à Fundação para falar sobre o assunto, mas nunca recebi uma resposta. Não queremos confrontar a Funai com o documentário, mas discutir o tema. Existe algum tipo de discriminação entre os grupos favoráveis e contrários à erradicação da prática? Não percebi discriminação entre um grupo e outro. Têm opiniões diferentes, mas falam hoje de forma mais aberta. Quando lancei no Xingu alguns se manifestaram contra porque defendem a manuntenção da tradição, principalmente os indígenas mais velhos. Em nenhum momento quisemos fazer julgamento de valores quando falamos de uma cultura milenar.
Francismar LemesReportagem Local
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