Gente, antes de colocar o artigo escrito pela linguista Márcia Suzuki, quero usar minha credibilidade junto aos povos indígenas do Paraná e São Paulo, para desmentir um senso comum tido como verdade por autoridades em nosso país.
Como jornalista, não tomo por verdade tudo que ouço, vou checar, checar e checar os fatos. Uma vez me foi dito que o ong Atini, da qual ela, juntamente com seu esposo fazem parte, sequestrava indígenas para levar para a chácara da entidade, usava de proselitismo para pregar o Deus deles.
Fui até lá para checar todos esses fatos. Tudo mentira. Existem sim, indígenas considerados semi isolados pela Funai de tribos como Suruwahá e kamaiurá. Minha esposa, que é indígena conversou com eles nesta chácara. E acreditem, eles estão lá porque a Funasa e a Funai, órgãos que deveriam prestar assistência, se negam a fazer isso. O extremo dessa questão foi a Funai junto com o Ministério Público irem até esta chácara para persuadir uma indígena a voltar para a sua aldeia.
Olha a resposta dela: "Eu vou para a minha aldeia sim, mas quando eu quiser. Nesse momento estou tratando minha filha no hospital. Se vocês quiserem me levar a força eu vou, mas antes mato minha filha aqui, na frente de vocês, porque se eu voltar para a aldeia ela vai morrer lá."
Sobre proselitismo religioso. Olha só, o que vi foi apenas preparações para ensaios de cantos e danças indígenas.
Então, peço aos meus amigos, que são líderes indígenas, procuradores da república, antropólogos, que antes de terem como verdade o senso comum já dito, que façam uma visita até a Atini e conheça o casal Suzuki e a sua filha adotiva Hakani, que foi enterrada viva em sua aldeia.
Sobre o texto logo abaixo, como indigenista e pai de uma indígena do povo terena, acho lamentável um estudo que diz que a criança indígena só é um ser humano a partir do momento que está no colo da mãe. Lamentável e pífia essa idéia. Mesmo os povos mais isolados, não se pode cravar essa informação. Há uma diversidade de povos e linguas indígenas no Brasil. Dizer isso, é ofender os nossos amigos de todos esses povos. No documentário dirigido pela Sandra Terena - www.quebrandoosilencio.blog.br - Paltu Kamayurá, indígena do alto xingu diz: "A criança não é filho do tatu, do porco, é gente"
Oswaldo Eustáquio Filho
Jornalista
Segue o artigo na íntegra
Por Márcia Suzuki
Alguns antropólogos e missionários brasileiros estão defendendo o indefensável. Através de trabalhos acadêmicos revestidos em roupagem de tolerância cultural, eles estão tentando disseminar uma teoria no mínimo racista. A teoria de que para certas sociedades humanas certas crianças não precisariam ser enxergadas como seres humanos. Nestas sociedades, matar essas crianças não envolveria morte, apenas “interdição” de um processo de construção de um ser humano. Mesmo que essa criança já tenha 2, 5 ou 10 anos de idade. Deixe-me explicar melhor. Em qualquer sociedade, a criança precisa passar por certos rituais de socialização. Em muitos lugares do Brasil, a criança é considerada pagã se não passar pelo batismo católico. Ela precisa passar por esse ritual religioso para ser promovida a “gente” e ter acesso à vida eterna. Mais tarde, ela terá que passar por outro ritual, que comemora o fato dela ter sobrevivido ao período mais vulnerável, que é o primeiro ano de vida. A festa de um aninho é um ritual muito importante na socialização da criança. Alguns anos mais tarde ela vai frequentar a escola e vai passar pelo difícil processo de alfabetização. A primeira festinha de formatura, a da classe de alfabetização, é uma celebração da construção dessa pessoinha na sociedade. Nestas sociedades, só a pessoa alfabetizada pode ter esperança de vir a ser funcional. E assim vai. Ela vai passar por um longo processo de “pessoalização”, até se tornar uma pessoa plena em sua sociedade. Esse processo de socialização é normal e acontece em qualquer sociedade humana. As sociedades diferem apenas na definição dos estágios e na forma como a passagem de um estágio para outro é ritualizada. Pois é. Esses antropólogos e missionários estão defendendo a teoria de que, para algumas sociedades, o “ser ainda em construção” poderá ser morto e o fato não deve ser percebido como morte.
Repetindo – caso a “coisa” venha a ser assassinada nesse período, o processo não envolverá morte. Não é possível se matar uma coisa que não é gente. Para estes estudiosos, enterrar viva uma criança que ainda não esteja completamente socializada não envolveria morte. Esse relativismo é racista por não se aplicar universalmente. Estes estudiosos não aplicam esta equação às crianças deles. Ou seja, aquelas nascidas nas grandes cidades, mas que não foram plenamente socializadas (como crianças de rua, bastardas ou deficientes mentais). Essa equação racista só se aplicaria àquelas crianças nascidas na floresta, filhas de pais e mães indígenas. Racismo revestido com um verniz de correção política e tolerância cultural.
Tristemente, o maior defensor desta teoria é um líder católico, um missionário. Segundo ele "O infanticídio, para nós, é crime se houver morte. O aborto, talvez, seja mais próximo dessa prática dos índios, já que essa não mata um ser humano, mas sim, interdita a constituição do ser humano", afirma.” i
Uma antropóloga da UNB, concorda. "Uma criança indígena quando nasce não é uma pessoa. Ela passará por um longo processo de pessoalização para que adquira um nome e, assim, o status de 'pessoa'. Portanto, os raríssimos casos de neonatos que não são inseridos na vida social da comunidade não podem ser descritos e tratados como uma morte, pois não é. Infanticídio, então, nunca".” ii
Mais triste ainda é que esta antropóloga alega ser consultora da UNICEF, tendo sido escolhida para elaborar um relatório sobre a questão do infanticídio nas comunidades indígenas brasileiras iii. Como é que a UNICEF, que tem a tarefa defender os direitos universais das crianças, e que reconhece a vulnerabilidade das crianças indígenas vi, escolheria uma antropóloga com esse perfil para fazer o relatório? Acredito que eles não saibam que sua consultora defende o direito de algumas sociedades humanas de “interditar” crianças ainda não plenamente socializadas. v
O papel da UNICEF deveria ser o de ouvir o grito de socorro dos inúmeros pais e mães indígenas dissidentes, grito este já fartamente documentado pelas próprias organizações indígenas e ONG’s indigenistas vi.
A UNICEF deveria ouvir a voz de homens como Tabata Kuikuro, o cacique indígena xinguano que preferiu abandonar a vida na tribo do que permitir a morte de seus filhos. Segurando seus gêmeos sobreviventes no colo, em um lugar seguro longe da aldeia, ele comenta emocionado:
“Olha prá eles, eles são gente, não são bicho, são meus filhos. Como é que eu poderia deixar matar?” vii
Para esses indígenas, criança é criança e morte é morte. Simples assim.
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