terça-feira, 26 de janeiro de 2010

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO Nº 7.056/09

DA INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO Nº 7.056/09

ARTIGO ESCRITO POR DALIO ZIPPIN FILHO, MEMBRO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB


No último dia vinte e nove de dezembro, foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto nº 7.056 de 28/12/09 aprovando o “ESTATUTO E O QUADRO DEMONSTRATIVO DOS CARGOS EM COMISSÃO E DAS FUNÇÕES GRATIFICADAS DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO – FUNAI”.
De acordo com o disposto no artigo 5º todas as Administrações Executivas Regionais e Postos Indígenas foram extintas, inclusive, os servidores com lotação nessas unidades serão removidos para outras unidades ou redistribuídos.
Dentre das finalidades da FUNAI, nos termos do novo Decreto, esta a de garantir a participação dos povos indígenas e suas organizações em instâncias do Estado que definam políticas que lhes digam respeito.
Ficou estabelecido que os Comitês Regionais para cada Coordenação Regional será composto pelos Coordenadores Regionais, Assistentes Técnicos, Chefes de Divisão e de Serviços e representantes indígenas locais.
Em nenhum outro local do Decreto nº 7.056/09 há qualquer referência a consultas dos povos indígenas interessados, com participação livre, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.
O Decreto de reestruturação da FUNAI prevê a criação de trinta e seis Coordenadorias Regionais em vez das atuais quarenta e cinco Administrações Executivas Regionais – AER – e de duzentos e noventa e sete Unidades locais, que terão atuação semelhante à dos atuais trezentos e trinta e sete Postos Indígenas que atuam nas principais aldeias do país.
Com a imediata entrada em vigor do Decreto, os cerca de vinte mil indígenas, que, vivem no Paraná terão necessidade de se deslocar para Chapecó/SC a quatrocentos e oitenta quilômetros de Curitiba e que atende somente oito mil indígenas que vivem naquele Estado ou para Itanhaém/SP a trezentos e quarenta quilômetros de Curitiba para apresentarem as suas solicitações e reivindicações à Administração Executiva Regional – AER - FUNAI, o que é um absurdo.
Os Povos Indígenas necessitam, constantemente, de recorrerem à FUNAI, quer na busca de sementes, assistência agrícola, documentos, certidões de nascimento e demarcação de terras.
Este Decreto acabou com as Administrações Executivas Regionais de Curitiba, Londrina, Guarapuava e Paranaguá além de outras espalhadas pelo Pais, permanecendo somente as Coordenadorias Técnicas, descentralizadas, com estruturas menor e sem qualquer autonomia financeira e administrativa.
Uma COMISSÃO DE CACIQUES, representando as LIDERANÇAS INDÍGENAS DO PARANÁ, encaminhou no último dia vinte ao Dr. Cezar Brito, Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, petição requerendo que a Instituição ingresse junto ao Supremo Tribunal Federal com uma ADIN – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – visando à anulação do Decreto.
Pois, nos termos do que dispõe o Inciso XIV do artigo 54 do Estatuto da Advocacia e da OAB -Lei nº 8.906/94-, compete ao Conselho Federal ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, Ação Civil Pública, Mandado de Segurança coletivo, Mandado de Injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei.
Uma das finalidades da OAB é defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os Direitos Humanos, a Justiça Social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
Estabelece a Constituição Federal em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e se regerá, pelo Princípio da prevalência dos direitos humanos em suas relações internacionais.
O Decreto nº 5.051/04 promulgou a Convenção nº 169 da Organização Mundial do Trabalho – OIT – sobre Povos Indígenas e Tribais e entrou em vigor na data de sua publicação, em 20/04/04.
O artigo 6º da Convenção 169 da OIT estabelece que ao aplicar as disposições os governos devam consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que seja previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.
Estabelece os meios pelos quais os povos interessados possam participar livremente na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhe sejam concernentes.
Determinou ainda que as consultas necessárias para a aplicação da Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o cometimento acerca das medidas.
Afirma ainda que os povos interessados devam ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual.
Este direito se estende às terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural.
Esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos Planos e Programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente.
Estabelece ainda a Convenção nº 169 de que qualquer proposta de medidas legislativas e de outra natureza às autoridades competentes e o controle da aplicação das medidas adotadas será sempre em cooperação com os povos interessados.
A Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou em 29/06/06, a “DECLARAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS” onde consta que o controle pelos povos indígenas dos acontecimentos que os afetem a eles e as suas terras, territórios e recursos lhes permitirá manter e reforçar suas instituições, culturas e tradições e promover seu desenvolvimento de acordo com as suas aspirações e necessidade.
Considerou também que os Tratados, Acordos e demais acertos construtivos, e as relações que estes representam, servem de base para o fortalecimento da associação entre os povos indígenas e os Estados.
A Declaração incentivou os Estados para o cumprimento e aplicação eficaz de todas as suas obrigações para com os povos indígenas decorrentes dos instrumentos internacionais, em particular as relativas aos direitos humanos, em consulta e cooperação com os povos interessados.
Reconheceu também que a situação dos povos indígenas varia de acordo com as regiões e os países e que deve considerar-se a significação das particularidades nacionais e regionais e das diversas tradições históricas e culturais.
Os povos indígenas no exercício do seu direito à livre determinação, têm direito à autonomia ou autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como a dispor dos meios para financiar suas funções autônomas.
Os Estados devem estabelecer mecanismos eficazes para a prevenção e o ressarcimento de todo ato que tiver por objeto ou consequência privá-los de suas terras, território ou recursos.
Os Estados farão consultas e cooperarão de boa fé com os povos indígenas interessados por meio de suas instituições representativas antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem, para obter o seu consentimento livre, prévio e informado.
Consta ainda na Declaração, que os Estados estabelecerão e aplicarão, conjuntamente com os povos indígenas interessados, um processo equitativo, independente, imparcial, aberto e transparente, no qual sejam reconhecidos devidamente as leis, as tradições, os costumes e os sistemas de propriedade da terra dos povos indígenas.
Estabelece ainda que os Estados façam consultas eficazes com os povos indígenas interessados, por meio de procedimento apropriado e em particular por meio de suas instituições representativas.
Os Estados, em consulta e cooperação com os povos indígenas, adotarão medidas eficazes para facilitar o exercício e garantir a aplicação deste direito estabelecendo os meios de assegurar a participação dos povos indígenas com relação aos que lhe digam respeito.
Para que o Decreto nº 7.056/09 fosse constitucional deveria ter sido precedido de uma ampla consulta, participação e cooperação dos povos indígenas interessados, pois, os assuntos ali contidos lhe dizem respeito e afeta substancialmente todas as comunidades indígenas, prejudicando os seus direitos fundamentais e o devido processo legal.
Não tendo ocorrido à ampla consulta e participação dos povos indígenas na formulação das diretrizes contidas no Decreto nº 7.056/09 este é nulo de pleno direto e flagrantemente inconstitucional.
O artigo quinto da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que os direitos e garantias expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
A Professora Flávia Piovesan, afirmou que a Constituição de 1988 inova, assim, ao incluir, dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos Tratados Internacionais de que o Brasil seja signatário. Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos Tratados Internacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a de norma constitucional.
O Decreto 7.056/09 violou, frontalmente, dispositivos expressos na CONVENÇÃO Nº 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT- tendo em vista que na sua elaboração não se respeitou o devido processo legal que exigia, não só consultas eficazes aos povos indígenas interessados, mas também a participação dos mesmos nos assuntos que lhe dizem respeito, pois as medidas legislativas e administrativas os afeta diretamente, violando seus direitos fundamentais.
Violou igualmente os dispositivos da “DECLARAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS”, Tratado Internacional que o Brasil incorporou a sua Constituição como Emenda Constitucional.
Conclui-se, portanto, que como o Plano Nacional de Direitos Humanos-3, teria sido assinado sem que fosse lido pelo Senhor Presidente da República, o mesmo poderá ter ocorrido com Decreto nº 7.056/09 e o único caminho viável será a sua anulação para que outro seja decretado, mas só após uma ampla consulta e participação dos povos indígenas interessados.

1 comentários:

Unknown disse...

Como vimos a reestruturação engloba um conjunto de medidas que visam adequar a atual estrutura da fundação à realidade da questão indígena brasileira".
A pergunta que não quer calar, porque não houve uma consulta até mesmo a participação dos interessados???
Não seria mais simples, poupariamos essas reivindicações...

Nayara Zonoecê

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