quinta-feira, 13 de maio de 2010

Índios obtêm vitória no Senado Federal


Do blog do Mércio


Hoje deu-se uma importante audiência no Senado Federal para discutir o decreto de reestruturação da Funai. É a segunda realizada no Congresso Nacional, pois há quinze dias foi realizada uma igualmente contundente na Câmara Federal. Mais de 200 índios estavam presentes, muitos nem puderam entrar na sala da Comissão de Direitos Humanos. A matéria abaixo, feita pela Agência Senado, trata de relatar alguns dos pontos discutidos e do seu teor. Porém, há ressalvas a essa matéria, que será melhor explicada abaixo.A questão do decreto presidencial que reestruturou a Funai vem sendo objeto de questionamento e protestos por grande parte dos índios e da maioria dos indigenistas da Funai desde que foi publicado, em 24 dezembro de 2009.


Desde janeiro deste ano que grandes hostes de guerreiros indígenas, homens, mulheres e filhos, vêm aparecendo em Brasília para protestar contra esse decreto. Durante duas semanas tomaram a Funai, num feito único e extraordinário, constituíram uma assembleia para discutir suas ações e decidiram permanecer até a revogação do decreto. A tomada da Funai será lembrada como um grande feito na história do movimento indígena brasileiro. Porém, como em todos os movimentos, há as traições. Duas defecções foram fundamentais para enfraquecer a grande assembleia. 150 índios Potiguara se retiraram num só dia. Depois mais um grande grupo de Pankararu. Daí os que restaram foram obrigados a dissolver a assembleia e se retirar a contragosto, por sentença judicial.


A Funai foi retomada pelas forças oficiais. Em seguida, a direção atual da Funai e o Ministério da Justiça puseram uma tropa da Guarda Nacional na porta da Funai para vigiar a entrada de índios e pessoas não identificadas como funcionários, algo também inédito.Porém, quando a atual direção da Funai achava que tinha dominado tudo, depois de reuniões as mais estranhas com grupos variados de índios, reuniões em que tudo e quase tudo foi negociado a torto e a direito, com promessas as mais incabidas, eis que um pequeno grupo de índios fez fincapé e resolveu armar acampamento em frente ao Ministério da Justiça, na esperança de que o novo ministro desse uma solução à questão.Entretanto, tudo indica que a Casa Civil, por razões óbvias e conhecidas, entre elas o licenciamento pretensioso e ilegítimo da Usina Belo Monte, bem como, aparentemente, o próprio presidente da República, resolveram que o protesto dos índios não podia ser considerado legítimo e não valia a pena dar-lhe crédito e respeito. Nem o decreto de reestruturação foi revogado, nem a direção atual da Funai foi exonerada. A situação foi se mantendo até agora, sem saída.


O Acampamento Indígena Revolucionário é uma ação excepcional no movimento indígena brasileiro. Apoiado por pequenos grupos de ajuda na cidade de Brasília e pelos esforços e recursos dos próprios índios, o Acampamento permanece em frente ao Ministério da Justiça há oito semanas. Firme e forte, com novos grupos indígenas indo e vindo, como numa vigília em prol dos índios e da renovação da Funai.Por que Lula e o ministro da Justiça não vêem que algo diferente está acontecendo entre os índios, em relação à Funai, e esse esdrúxulo decreto e a sua direção atual? Mais estranho ainda: como o movimento indígena brasileiro não se dá conta do potencial político que esse Acampamento traz em si? E a tal da Comissão Nacional de Política Indígena e seus membros indígenas -- como eles não se solidarizam com o Acampamento e suas bandeiras?Que está acontecendo, afinal, com o movimento indígena brasileiro? Tem autonomia ou depende de verbas como a UNE? Como deixam seus patrícios ao sacríficio à luta insana, sem apoiamento direto? O líder Kayapó, Megaron Txukarramãe, em luta pela revogação do licenciamento da Usina Belo Monte e contra a atual direção da Funai, cobrou à Coiab, a principal associação de índios da Amazônia, que se posicionasse. Até agora, nada.Os líderes do Acampamento Indígena Revolucionário vão prosseguir em sua batalha. Algo diferente no movimento indígena está para acontecer. Seria bom que Lula fosse o presidente a fazer história e colocasse um índios na presidência da Funai. Por que, se não, será o próximo presidente que o fará.


Aos índios que estão se sacrificando pelo futuro, meus mais profundos sentimentos de respeito e honra.


Representantes dos indígenas pedem revogação do decreto que reformula Funai
O decreto presidencial que reformulou a estrutura da Fundação Nacional do Índio (Funai) e extinguiu administrações regionais da entidade (decreto 7.056/09) é ilegal e inconstitucional e deve ser revogado. Essa é a opinião dos representantes indígenas e de servidores da Funai que participaram de audiência pública que discutiu na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) os problemas gerados ao indígenas a partir de edição do decreto.
Eles informaram que será criada comissão representativa de indígenas de todo o país para consolidar as propostas relativas ao decreto. O presidente da CDH, senador Cristovam Buarque (PDT-DF) se comprometeu a intermediar suas reivindicações com o presidente da Funai, Márcio Meira, o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, e com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso.

Ao editar o decreto sem consultar os povos indígenas, argumentou o vereador de Campinápolis (MT), Jeremias Pinita'Awe, o presidente da República desrespeitou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tal documento exige observância dos interesses dos povos envolvidos quando decisões legislativas ou administrativas possam afetá-los diretamente. Ele disse que os povos indígenas esperavam desde 2003 que o governo promovesse uma discussão "aberta e séria" com eles sobre implementação de políticas indigenistas, bem como relativa a reformulação da Funai, o que não aconteceu.
Alem de desrespeitar a convenção da OIT, afirmou o vereador, o decreto alterou a finalidade da Funai, o que deve ser feito apenas por Emenda Constitucional. Em sua avaliação, há violação dos direitos humanos dos indígenas, que ficaram numa situação de vulnerabilidade após a edição do decreto.

- Não podemos interferir na conveniência e oportunidade da administração pública ao editar normas, mas o aparato estatal não pode ser usado contra uma população em situação de vulnerabilidade - disse Jeremias Pinita'Awe.
Também o representante da população indígena do Maranhão, cacique Raimundo Guajajara, observou ser inconstitucional o decreto por violar os direitos humanos desses brasileiros. Ele criticou o Parlamento por permitir que a Carta Magna seja desrespeitada.

- Estão pisando na Constituição, se eu fosse parlamentar eu me envergonharia. Verifiquem melhor a nossa lei. A Funai deve dar assistência aos índios, não aos interesses políticos. O decreto é cruelmente criminoso - ressaltou o cacique.
Na avaliação do líder indigenista, Carlos Pankararu, o decreto "é mal intencionado", uma vez que foi editado no último dia do ano passado, quando o Congresso Nacional estava em recesso e sem consultar a população indígena. Segundo ele, o presidente da Funai teria afirmado que o decreto sairia mesmo se os indígenas fossem ouvidos.

- Isso é ditadura. Se há democracia nesse país, que se coloque em prática - disse Pankararu, ao afirmar que os bandeirantes mataram os índios com armas e hoje eles são mortos com a caneta, referindo-se à edição do decreto presidencial.
Governo

O responsável pela Procuradoria da Funai, Antonio Marcos Guerreiro Salmeirão, representando o presidente da Funai, afirmou que a entidade precisava ser reformulada, pois a Constituição de 1988 passou a tratar os indígenas como capazes. Antes da promulgação da Carta atual, o índio era considerado incapaz e necessitava da tutela do Estado. Esse antigo modo de ver as populações indígenas, observou Guerreiro, ainda se encontra entre alguns servidores da Funai, que não assimilaram o novo conceito.
Antônio Guerreiro disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou o decreto para melhor distribuir servidores nas coordenações regionais e nas unidades. As medidas, destacou o representante da Funai, vão aprimorar o atendimento aos indígenas, bem como melhor alocar os recursos públicos.

O secretário de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Rafael Lopes Torres, informou que o tribunal realizou auditorias na Funai nos anos de 2002 e 2003 e encontrou problemas, especialmente ligados à estrutura do órgão. Entre os problemas apontados, explicou, estão a falta de condições para desenvolvimento dos projetos, a carência de instalações e equipamentos adequados e falta de critérios definidos para definir o que seja posto indígena e núcleo de apoio. Tais observações, destacou o representante do TCU, podem não estar mais presentes na atualidade.

Ele também fez questão de informar que o TCU não apresentou nenhuma recomendação no sentido de extinguir unidades, atribuição, conforme lembrou, que cabe ao Poder Executivo. O tribunal, em seu parecer, destacou a importância do trabalho realizado nos postos em benefício das populações indígenas, apesar dos problemas estruturais que enfrentavam. O TCU também sugeriu a qualificação da Funai como agência Executiva e não mais uma fundação.

O senador José Nery (PSOL-PA) lamentou a ausência do presidente da Funai à audiência, que justificou já ter compromisso previamente agendado em Manaus. O senador defende a

observação das demandas indígenas para realizar reformulação do decreto.

Já o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) disse ser indispensável que o presidente da Funai explique ao Parlamento, aos servidores da Funai e à população indígena a motivação do decreto. O senador também sugeriu a criação de uma comissão de servidores para acompanhar as discussões entre os indígenas e a presidência da Funai.

Denúncias
O indigenista e geógrafo especialista em Gestão e Ordenamento Territorial, da Universidade de Brasília, Wagner Tramm, pediu que sejam investigadas denúncias de nepotismo na Funai, bem como as relacionadas a fraude nos processos de licenciamento ambiental. Ele também afirmou que os servidores estão sofrendo assédio moral. Coordenadores competentes são afastados de suas funções e substituídos sem nenhum critério técnico.

- A Funai está entregue às baratas, o patrimônio está abandonado, os servidores estão impedidos de atuarem e o pior é presenciar o Estado, que tem a função de estabilizar conflitos, fomentar conflitos. O decreto vai estimular a guerra inter-étnica, entre garimpeiros e indígenas - disse Tramm.

Iara Farias Borges / Agência Senado

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